8 de jan. de 2012


Ponto Final



Sou o adjetivo de todas as metáforas
Sou o advérbio de todas as parábolas
Sou o mistério de todas as lendas
Sou o demérito de todas as comendas

Sou o felino de remotas savanas
Sou o beduíno de ermas viagens
Sou o Saara de trêmulas miragens
E o oásis de sonâmbulas caravanas

Sou o sonífero das luas de insônia
Sou o carteiro das cartas anônimas
Sou o jardineiro das florestas atônitas
E o campeiro das estrelas recônditas

Sou o gatilho das paixões belicosas
Sou o estribilho das canções amorosas
Sou o joalheiro das emoções preciosas
Sou o celeiro das tensões vertiginosas

Sou o antídoto das serpentes rancorosas
Sou o terreiro dos batuques compulsivos
Sou o picadeiro dos palhaços depressivos
Sou o perfume das prostitutas malcheirosas

Sou o cadáver das discussões cavernosas
Sou o cárcere dos corações expansivos
Sou o truque dos mágicos televisivos
E o estrume das traições indecorosas
  
Sou o cardápio dos júbilos da escória
Sou a medalha dos homens sem glória
Sou o capítulo dos anônimos da história
E o epitáfio dos túmulos sem memória

Sou a amnésia das promessas políticas
Sou a cefaléia das esperanças raquíticas
Sou a miséria dos sonegadores de plantão
Sou a diarréia dos infanticidas da nação

Sou a salmonela na salada beneficente
Sou a esmola das vielas pobres da mente
Sou o encosto dos falsos pais-de-santo
A face de Cristo na serigrafia do manto

Sou o escalpo do índio pregado na cruz
A hóstia do moribundo na fila do SUS
Sou o demo no púlpito do pastores ateus
A fogueira dos pedófilos padres de Deus

Sou o oposto de todos os contragostos
Sou o agosto de todos os desgostos
Sou a autópsia viva do diagnóstico fatal
Sou a audácia do poeta e ponto final







Pedaços

(Poema Pra Gullar)

  
Um tanto de mim é clareza
Outro tanto breve escuridão
Um tanto de mim é leveza
Outro tanto olho de furacão.

Um tanto de mim é satânico
Outro tanto atabaque na mata
Um tanto de mim é orgânico
Outro tanto pôr-do-sol em lata

Um tanto de mim é ray-ban
Outro tanto fundo de garrafa
Um tanto de mim é ceia pagã
Outro tanto tainha na tarrafa

Um tanto de mim é dia imundo
Outro tanto uma noite distinta
Um tanto de mim é Pedro II
Outro tanto Joãozinho Trinta

Um tanto de mim é caótico
Outro tanto bull enérgico
Um tanto de mim é gótico
Outro tanto full lisérgico

Um tanto de mim é único
Outro tanto estrambólico
Um tanto de mim é lúdico
Outro tanto rio diabólico

Um tanto de mim é sem perdão
Outro tanto zen bumerangue
Um tanto de mim é peito de pavão
Outro tanto leito de mangue

Um tanto de mim é verso
Outro tanto pura alucinação
Um tanto de mim é disperso
Outro tanto presta atenção

Um tanto de mim é deserto
Outro tanto poça no chão
Um tanto de mim mora perto
Outro tanto habita Plutão

Um tanto de mim é vasto
Outro tanto lago raso
Um tanto de mim é casto
Outro tanto afago devasso

Um tanto de mim é mansidão
Outro tanto baba de raiva
Um tanto de mim é patativa
Outro tanto cativa no alçapão

Um tanto de mim dorme cedo
Outro tanto de manhã janta
Um tanto de mim caga e anda
Outro tanto se borra de medo

Um tanto de mim é vago hiato
Outro tanto contradiz o fato
Um tanto de mim é solilóquio
Outro tanto nariz de Pinóquio

Um tanto de mim é algodão
Outro tanto faca de açougue
Um tanto de mim é lassidão
Outro tanto lasca de azougue

Um tanto de mim é agosto
Outro tanto verão no mato
Um tanto de mim é aborto
Outro tanto gozo no quarto

Um tanto de mim é dândi
Outro tanto veste Ghandi
Um tanto de mim é rompante
Outro tanto abrupto calmante

Um tanto de mim é profusão
Outro tanto tosca confusão
Um tanto de mim é pena agrária
Outro tanto execução sumária

Um tanto de mim é plebeu
Outro tanto o ouro de Deus
Um tanto de mim abre portas
Outro tanto se fecha em copas

Um tanto de mim é lisonjeiro
Outro tanto punhal às costas
Um tanto de mim é por inteiro
Outro tanto se serve em postas.


De Tudo Um Pouco


De um lápis de giz
De uma bala de anis
De um grão de areia
De um canto de sereia
De um espeto de aço
De um graveto de mato
De tudo um pouco
O poeta inventa mundos

De um rabo de pipa
De um talo de tulipa
De um colo de serra
De um cabo de guerra
De um botão de camisa
De um dente de pitonisa
De tudo um pouco
O poeta dá voz ao mudo

De um dedo de martelo
De um sótão de castelo
De uma rede de malha
De uma esteira de palha
De um balcão de boteco
De uma asa de teco-teco
De tudo um pouco
O poeta despista o louco

De uma rolha de vinho
De uma camisa de linho
De uma fieira de peão
De uma bolha de sabão
De uma espiga sem grão
De uma caduca teimosia
De tudo um pouco
No poeta cutuca a poesia





Idas E Vindas


                                                              Do indígena
Yenepitá = vou embora
Neneba = vem comigo





Morena
Yenepitá

Neneba

I have fome de way
E some fome de povo

Morena
I come

Eu see o povo
E he não ri

He have fome
E never come



Cacos & Insetos N.2


(Poema Inacabado) 


De tanto sorriso trinquei dentes
De tanto feitiço evoquei duendes
De tanta gana descobri planetas
De tanta fome pesquei cometas

De tanto carvão trafiquei oxigênio
De tanto alcorão trafeguei milênio
De tanta insolação reguei desertos
De tanta perversão abonei incestos

De tanto colírio ceguei eclipses
De tanto delírio escalei arco-íris
De tanta sede sequei vertentes
De tanta raiva ejaculei serpentes

De tanta surdez perdi sono
De tanta mudez ouvi Bono
De tanto rush traguei carbono
De tanto Bush destratei Kioto

De tanto cantar cativei boto
De tanto caviar enlatei arroto
De tanto pavão espetei estetas
De tanto fardão enfartei poetas

De tanto ódio amanheci vermelho
De tanto pódio enrubesci espelhos
De tanta ciência mistifiquei Darwin
De tanta essência glorifiquei Martin
  
De tanta prática desdenhei palpites
De tanta lágrima esculpi estalactites
De tanta demência crucifiquei Mefisto
De tanta ausência exorcizei Cristo

De tanta viração aportei sereias
De tanto arpão domestiquei baleias
De tanta sanha perpetuei martírios
De tanta canha poetizei suicídios

De tanto ensejo desvendei cavernas
De tanto desejo polinizei primaveras
De tanta lástima eclodi ciclones
De tanta plástica mamei silicone

De tanta tara castrei pedófilos
De tanta marra tracei hieróglifos
De tanto furor entornei calmantes
De tanto ardor entronizei amantes

De tanto louvor dissequei corações
De tanto pavor dissimilei camaleões
De tanta trégua dispersei passeatas
De tanta mágoa derramei cascatas

De tanto mártir acolhi espinhos
De tanto aparte ouvi mesquinhos
De tanta verve silenciei academias
De tanta febre disseminei epidemias

De tanta tensão queimei urutus
De tanta carniça reelegi urubus
De tanta benção converti ateu
De tanta injustiça esqueci Deus

De tanto espião plantei arrudas
De tanta traição santifiquei Judas
De tanto clamor acendi centellas
De tanto amor queimei estrelas

De tanto perdão rasguei sonetos
De tanta desilusão bebi cianureto
De tanta tesão acendi fogueira
De tanta paixão derreti geleira

De tanta carta percebi paciência
De tanta mata verdejei clemência
De tanta areia plantei bananeira
De tanta maré ascendi lua-cheia

Dos fuzis semeei jardins
Dos cantis agüei jasmins
Dos círios redobrei sinos
Dos lírios compus hinos

Das gralhas sondei alardes
Das tralhas montei verdades
Das medalhas pari deméritos
Das metralhas venci eméritos

Dos ávidos repus enganos
Dos palácios depus tirano
Dos estrelatos tratei edemas
Dos literatos rompi algemas

Dos gatos afastei piscinas
Dos sapatos tirei esquinas
Dos gargalos sorvi poemas
Dos cavalos roubei Helenas

Das migalhas catei esteio
Das mortalhas cavei custeio
Dos trilhos colhi caminhos
Dos filhos acolhi carinhos

Das hienas perdi gargalhos
Das lesmas roubei atalhos
Dos livros ergui muralhas
Das unhas forjei navalhas

Dos autores soltei cravos
Dos tutores livrei escravos
Dos rubores pintei auroras
Dos louvores alcei Senhora

Dos rancores plantei dores
Dos amores curei tumores
Dos traços inventei insetos
Dos cacos renasci completo.



Vida Vide Bula



Ao menos uma vez por dia
 Troque o passo e ande descalço
Ao menos uma vez por dia
Perca a cabeça e do dia esqueça

Ao menos uma vez por dia
Negue amém e perdoe alguém
Ao menos uma vez por dia
Rasgue a lei e enforque o rei

Ao menos uma vez por dia
Chute o balde e multe o guarda
Ao menos uma vez por dia
Vire fera e tire férias

Ao menos uma vez por dia
Mostre a cara e fuja de casa
Ao menos uma vez por dia
Invente o cais e não volte mais



Males da Terra



De que barro são esses deuses?
De que céus caem esses anjos?
De que lama são esses homens?
De que larvas saem esses vermes?

De que chama são as suas velas?
De que caules nascem essas caras?
De que naipe são as suas farsas?
De que fera cresce essas garras?

De que pedras são esses gestos?
De que vales voam esses ecos?
De que feles são as suas farpas?
De que males aluam meus versos?



4 de nov. de 2011

NOS CONFINS DA NOITE EM CHAMAS


- Lâmpada acende ciúmes de sol

- Lua quebra telhas pra fugir às estrelas

- Anzol de estrela eu isco pra fisgar lua cheia.

- Lagartixa traz sombra de lua à parede

- Aurora verdeja-te sol

- Risco-te íris. Giz em arco de lua

- Sonho vasto pra que a noite não pouco seja.

- Poeta, gatilho vil, suicida-me em ti.

- Noite sem pele borda imaginação.

04-11-11

16 de out. de 2011

CURTACONTO


Era um cão labrador. Um guloso. Mas gourmet por excelência. Nunca torcia o nariz para sabores novos. Certo dia abocanhou por inteiro um sabonete Lux. Desde então corre no pátio latindo bolhinhas de sabão.... Cor de pétalas quando fogem.  (161011)

13 de out. de 2011

Haicai


girassol em agosto.
cachecol de lã
em torno do pescoço.


131011

13 de set. de 2011

Poema

Ana Cristina César I

“Hoje sou eu que estou te livrando da verdade”



Hoje sou eu que
acordou abalado
por alguns terremotos.

Dos pés a garganta
trago-me exausto
pequeno e trêmulo.

As flores feneceram
nos vasos da fantasia.

A poesia restou sem voz
 inútil quanto a morte.
E o teu riso arisco
colhido em pétalas
é flor para outras mãos.

Por que te persignas
em frívolas rezas
 tão longe do amém
dos meus braços?

7 de set. de 2011

NÃO ESQUEÇAM:





"O importante é que a nossa emoção sobreviva"




Paulo César Pinheiro 










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